6.23.2024

os tanto faz fazem-nos mal


 

OS TANTO-FAZ FAZEM-NOS MAL

 

A opção entre ditaduras e democracias é uma questão de dignidade e reconhecimento do ser humano e de como essa se expressa nos domínios do conhecimento e da cultura. Mário Soares, em 7 de outubro de 1977, no prefácio do livro VENCER A CRISE: PREPARAR O FUTURO, publicação elaborada pelo gabinete do Secretário de Estado adjunto do Primeiro-Ministro Para os Assuntos Políticos, sob a coordenação do jornalista Nuno Vasco, a fim de assinalar um ano de governo constitucional em Portugal, salienta-o exemplarmente, afirmando ser “certo que, em democracia, quem governa expõe-se abertamente à crítica. Mas aí, também, reside a grandeza e a força do sistema democrático. As ditaduras amordaçam a crítica – porque não podem viver com ela. As democracias dão-lhe livre curso, porque, sem ela, não poderiam viver.”

 

Portanto, não é legítimo afirmar que tanto faz viver em democracia como em ditadura, porque essa é a diferença fundamental entre sermos cidadãos e cidadãs e sermos servas ou servos de um regime político. Podermos pensar acerca de todas as coisas e afirmá-lo sem ser condenado ou julgado por isso, não é somente uma questão de liberdade de expressão, mas inclusive de respeito e consideração pela dignidade humana. Pela dignidade de cada pessoa, seja ela criança, idosa ou adulta, rica ou pobre, diplomada ou sem habilitações académicas, feia ou bonita, nacional ou estrangeira, religiosa ou não, branca ou de cor, masculina ou feminina.

 

Sim, a crítica, e devíamos praticá-la mais vezes, não só acerca das políticas e posições de governação do Estado, mas também sobre nós mesmos, e de como às vezes agimos de maneira a apagar a dignidade do nosso semelhante, porque é coisa que ninguém merece.

 

Joaquim Maria Castanho  

6.07.2024

Xutos e Pontapés - Sem Eira nem Beira [VERSÃO KARAOKE]

contrabandista (o)

 

O CONTRABANDISTA

 

1.     1. APELO DO CAMINHO

 

São gestos simples duma criança os pés

Os ombros, as mãos abertas.

Mesmo uma falripa sobre a testa

Um suspensório a arrastar na areia...

Uma pedra a bater na latada,

Um chamamento de mãe contrariada.

Ah, e o enigma da estrada

Que nunca termina na curva

Como fora previsto!

 

2.     2. CONTRABANDEIO

 

É essencial de mim, português

A navalha, o relógio, o isqueiro!

Por vezes, a caneta

Ind’assim me não esqueça

Daquilo que me vai na alma.

Seguem-se os dias aos dias

Na formação do ontem de amanhã

E há um povo que não se cansa

De afiar o ânimo no esmeril da solidão

De correr seca-e-meca à procura

De escorregar pelas ladeiras lamacentas da ilusão.

 

3.     3. TALEGO

 

Esse resto tão pouco...

Tão cintilante o sol

Capilar sobre a vereda

Abrigo da tarde

Entre pinheiros

Agudos sonidos dos cartaxos,

Os ombros vincados ambos

A bolsa no lamaçal das costas.

 

4.     3. RECRUTAMENTO

 

Revejo o adro. A tarde arde.

Posando em fila circular as botas ferradas

Esperam a fotografia imediata dum capataz.

Aos velhos e crianças apenas é concedido o número

E não o nome. Esses ficarão meia-lua perdida – olhos da calçada

Por suas bocas serem a jarra em que não há semente.

Arde a tarde e a esperança do corpo

Consumindo a fome que em casa se passa.

Arde o silêncio na competição dos olhos

Na ânsia de saber quem vai desta jornada.

Arde a silhueta do cavaleiro desembocado da rua

O matraquear dos cascos, o cintilar das esporas...

Chapéu no sobrolho, chicote apontado

Divide e escamoteia, joeira e não ouve:

“A jorna, já sabem. É pegar ou largar!“

«Mãe: não valho nada!!...» Ainda que quisesse

Pegar na foice e suar o que faltava, a cabeça curvada

Quem daria ao filho daquele que entre cavalos partiu

O sol a sol do pão, desde que o sonhasse ou soubesse?

Revejo-te adro. E àquele dia, mãe

Em que num ai, reconheceste também

Ser sempre o caminho do filho

Seguir as pegadas do pai!

 

5.     4. PRISÃO

 

Pela fresta da entreaberta porta soam ferraduras

Crinas nervosas agitam o medo, bater de cascos.

Um latido de cão sem coleira à porta da taberna...

As fitas mosqueiras que dedos ronceiros suspendem...

O suspeito ar de caso nas alvas fachadas...

Uma criança descalça atravessando o escaldante empedrado...

E um gesto de Agosto na supressão de mais uma boca.

 

6.     5. REFERENTE

 

A mesma criança do outro poema

Tenta passar de novo a rever-se

No espelho do sonho e surpresa.

Fecha o triângulo e surge

As guitas do pião escorrendo dos bolsos

Os gestos tímidos dum esgar de mel

Os olhos perdidos em tamanhas cores.

Adiará a infância para melhor tempo

Que a mãe já reclama a presença

De um Homem na casa.

 

Joaquim Maria Castanho


La vida es un tango y el que no baila es un tonto

La vida es un tango y el que no baila es un tonto
Dos calhaus da memória ao empedernido dos tempos

Onde a liquidez da água livre

Onde a liquidez da água livre
Também pode alcançar o céu

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